Já não me lembro exatamente em que fase da minha vida sonhei que voava.
Na altura eu não era um pássaro, o voo acontecia quando eu saltava no trampolim (sim, paixão antiga, sim, passei ao lado de uma grande carreira como atleta). Nos sonhos eu começava a saltar baixinho, depois cada vez mais alto e mais alto, até que voava. Nesses voos eu parava em imensos sítios distantes, num barco, numa ilha no meio do mar, em faróis iluminados, em cidades, em montanhas. Descia, observava, falava com as gentes e voltava a voar. Durante noites e noites eu voei, voos rápidos, voos lentos, picadas para me deter em pormenores, planava sobre mares e continentes. Fui da Malásia a Austrália, do Alasca a Argentina, de Madagáscar a Islândia. Voei tanto sem asas.
Sabia ser sede de liberdade, curiosidade, sabedoria, mas depois vieram noites em que comecei a sonhar que me caiam os dentes em público e eu era ridicularizada, inferiorizada, marginalizada e fiquei insegura, cheia de dúvidas, cheia de questões.
Deixei de voar...