terça-feira, 20 de junho de 2017

Limbo

O gosto e a vaidade com a aparência acicatou-se-me quando fui da Província estudar para Lisboa e já com dezoito por conta da minha colega de quarto que era tão feminina, tão mimosa, tão bonita. Acabei a tentar ser como ela e a conjugar roupas, a comprar sapatos e malas da mesma cor, sombras para os olhos, pulseiras e aneis, a colocar merdas na cara e a usar soutiãs de renda. Nunca consegui no entanto desfazer-me do meu outro eu, o da cara lavada, dos ténis, da roupa confortável e desportiva que em nada se coaduna com a minha profissão. E por isso ando há anos neste limbo, a tentar equilibrar os meus dois eus, ponho e tiro, ponho e tiro, até chegar a um acordo comigo própria todos os dias.
Nesta grande viagem tinha de carregar com o corpo todas as minhas necessidades e decidi não levar luxos. Nos alforges levei apenas dois equipamentos para pedalar, uma roupa para as quatro noites, chinelos, um agasalho, toalha, duas cuecas e dois soutiãs e uma bolsa com miniaturas de produtos de higiene essenciais.O resto da bagagem continha ferramentas, cãmara de ar, dropout suplente, comida, documentos, dinheiro, máquina fotográfica, telemóvel e a caderneta de peregrino. Meu Deus! O que me custou transportar aqueles nove quilos e ao fim do segundo dia, sem a roupa ainda lavada, nem um soutiã tinha para vestir para ir jantar.
Viver no limbo é lixado. Se por um lado até vivi confortavelmente durante cinco dias sem entender para que precisamos de tantas merdas, por outro senti-me nua. Faltava-me o meu perfume, o meu cheiro, a minha base para disfarçar o cansaço, o secador de cabelo para não parecer uma maluca e a minha almofada. Ai a minha almofada! Ah! Faltaram-me uns tampões para os ouvidos para não ouvir aquela moto serra toda a noite a trabalhar naquele albergue...

18 comentários:

  1. Mesmo sem a almofada deve ter sido uma aventura fantástica
    :)

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    1. Foi mesmo Imprópria e também um grande desafio superado :)

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  2. Ai, a princesa quer dar ao pedal? Não dá para conjugar sem fazer escolhas e tu percebeste isso com a experiência na primeira pessoa =P Uma moto-serra durante a noite? Era um albergue ou um cenário de um filme de terror? =P

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    1. Lápis, acho que naquele albergue naquela noite só mesmo a moto-serra é que dormiu :)) Quanto ao resto, acho que as princesas só andam de bicicleta de cestinho nos jardins do palácio, não andam no mato e nos montes com 40 graus ao pó e carregadas de alforges, mas é como tu dizes, escolhas :))

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  3. A moto serra toda a noite a trabalhar é mesmo o pior. Como eu te compreendo. :)

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    1. Miss Smile, agora dá-me vontade de rir porque devia ouvir-se na rua, mas no momento, a precisarmos de descansar, olhávamos uns para os outros sem saber o que fazer :)

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  4. O cansaço, o calor, e ainda por cima uma moto serra? Duro, mesmo. :)

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  5. Mais um desafio a riscar na sua lista não é verdade?
    Abraço

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  6. Não deve ter sido fácil....depois desse desafio superado que venha o próximo!

    Isabel Sá
    Brilhos da Moda

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  7. Eu ficava-me pela almofada e pelos tampões para os ouvidos, no caso de não haver um refúgio chamado sofá, para onde me retiro quando a motosserra começa a trabalhar. eheheheh

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  8. Hey, a base eu empresto, é um bem de primeira necessidade para mim, ahahahah

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  9. O gajo da meia verde meia branca22 de junho de 2017 às 17:51

    O que eu me ri com a motoserra.... ahaha :)

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  10. Imagino a falta que essas coisas devem ter feito, mas aposto que o balanço da experiência deve ter dado para compensar (=

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  11. Pois, a almofada! Como é tendo o mê senhor que leva a almofada para as viagens. E daqui a dias lá vai ela dentro da mala para as férias! Ainda por cima é ortopédica, de cilindros e pesada com'um burro, mas vai
    Kis :=)

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  12. Eu admito que me sinto nua se me esqueço de colocar brincos...

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  13. Percebo exactamente isso. Ando diariamente assim, com isso tudo atrás e ao fim de semana e sempre que posso gosto de me desprender disso tudo. Sem base, saltos altos e afins :D

    http://princesasemtiara.blogs.sapo.pt/

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  14. é preciso por vezes viver esse limbo para percebermos para onde nos dirigimos, diariamente. Foi duro com certeza, mas foi uma limpeza de alma, ou não?. Contudo, eu acho que não arriscaria passar por isso.

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  15. Olá, gostei de saber que é provinciana, gostei de saber, porque os provincianos sabem que tudo que é simples é mais belo, apesar de faltar a sua amiga almofada, conseguiu ultrapassar todas as dificuldades com nove quilos de peso em cima na sua aventura.
    Continuação de boa semana,
    o provinciano AG

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