quarta-feira, 14 de outubro de 2015

Há muito tempo

Naqueles tempos todos os filhos tinham o dever e a obrigação de ajudar os pais e dos nove irmãos, todos tinham trabalhos  e tarefas distribuídas. Apesar da família não ser abastada, também não  era das que passava  fome, viviam numa casa grande e sempre havia uma parte da galinha ou uma ou duas sardinhas para cada um, no entanto, após  a instrução primária não haveria futuro nessa área e os que gostariam de continuar  a estudar não  teriam essa oportunidade pois descriminação era coisa que aquela família nunca faria. Todos trabalhariam por igual para ajudar na casa até  que dela saíssem.

Duas das filhas eram empalhadeiras, outra costureira, uma governanta, uma foi para Lisboa para ser cabeleireira, seu sonho de menina, os rapazes trabalhavam nas fábricas de vidro e a Maria  Augusta, a mais nova,  a única que queria continuar os estudos mas não pôde,  coube-lhe o negócio de fazer  broas e vendê-las pelas terras vizinhas. 
Zézito, o vizinho de nove anos conduzia o burro com o seirão carregado de broas e ela, já  espigadota, fazia o negócio, vendendo as broas cozidas a cada madrugada. Sempre de sorriso  na cara, sempre com uma graçola na ponta da língua.  As freguesas adoravam-na e ela vendia todas as broas. Nunca por um momento que fosse Maria Augusta se queixava da sua sorte e de não  poder estudar e de ter de andar a chuva e ao sol a vender broas  e depois chegar a casa e ainda ajudar na lida de uma casa de onze. Se não podia estudar, ajudaria então a família, guardando sempre alguns tostões para si. Talvez para um dia. Estava certa que um dia abriria o seu restaurante e todos iriam lá  voltar muitas e muitas vezes pelos seus cozinhados e pela sua simpatia. ..Um dia haveria de ser independente.

Só  que a vida  nem sempre  acontece como planeada e quis o destino e os pais que se casasse cedo e tivesse filhos, cuidasse da casa, aprendesse a bordar e a costurar, mas nunca, nunca tivesse um restaurante,  nunca voltasse a estudar e nunca tivesse uma profissão  além  da de Dona de Casa.
Não  foi  por isso no entanto que Maria Augusta quis mal à vida ou  ao mundo  ou aos pais ou marido. Conformou-se,  resignou-se e viveu a vida o melhor que pôde. A sua alegria e felicidade transpareciam todos os dias e eram contagiantes. 
Era assim há  muito tempo....

15 comentários:

  1. Na aldeia onde morei, conheci muitos casos desses!!

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    1. Na altura era normal que assim fosse e as pessoas aceitavam isso como destino:)

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  2. Tirando a parte de não poderem continuar a estudar, esta é uma história como a minha!

    Beijinhos GM

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    1. Quantas histórias destas eu conheço. Nesse aspecto ainda bem que as coisas mudaram, já noutros, tudo piorou e muito. Beijinho Maria

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  3. Também conheço algumas histórias (bem reais) assim. E que no olhar conseguíamos ver a alegria, genuína, que as preenchia - falo no passado para não destoar o teu post!
    Beijo

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    1. Aquela era a realidade que conheciam, so podiam ser felizes com ela. Nao havia a abertura e a informação que há hoje e por isso desconheciam tudo o resto... assim eram felizes :)

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  4. Muitas frustrações esconderiam esses olhares risonhos, ou não.
    A simplicidade e a maior das qualidades que detinham, hoje, quase já visto como pré-histórico, era a genuinidade de cada ser, disso sim, tenho saudade.
    Quanto aos olhares risonhos, se vires bem, escasseiam, ter-se-ão perdido pelas cadeiras das universidades? e das vidas facilitadas?
    Tenho para mim, que tudo se tornou fácil demais, e neste facilitismo afogaram-se os sonhos, que faziam rir os olhares.
    Como diz o bom povo, tem outro sabor o pão semeado, colhido e feito por nós

    Abreijo GM

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    1. Tens toda a razão, este facilitismo de hoje deitou por terra muitos guerreiros e exploradores de outrora, hoje os olhares sao mais de apatia do que de resignação e felicidade. Passa-se o tempo a lamentar e a nao fazer nada... mantenho ainda assim a esperança de que isto mude.
      Beijinho Noname

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  5. Pessoas desta candura e força são uma lição de vida. Faziam o melhor que podiam e sabiam com as circunstâncias que tinham. Davam-se inteiros à vida, mesmo quando recebiam tão pouco.

    Um beijinho, GM, e obrigada por esta inspiradora partilha

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    1. Naquela altura o mundo era mais fechado e não se conheciam outros horizontes. Eram felizes com o pouco que tinham, hoje é tudo tão diferente... Beijinho MS

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  6. O meu pai cresceu numa casa assim. Começou a trabalhar depois da escola primária, mas juntou dinheiro e estudou até se licenciar em contabilidade. Hoje, apesar dos seu 74 anos, continua a ser TOC. Sim, mas para os homens a vida era mais fácil.

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    1. Verdade, ao meu pai aconteceu o mesmo, mas para isso era preciso muita vontade, muita determinação e sacrifício. Por isso o admirei tanto e foi uma inspiração para a minha vida. Naquela altura não eram muitos os que o conseguiam.

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  7. Conheço uma história muito semelhante a esta. Era feliz com o rumo que a vida dela tomou, nunca reclamou e sempre se mostrou completa. Uma entrega total a uma vida que não tinha idealizado ... a felicidade é simples, mas não sei se conseguia abdicar dos meus sonhos.

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    1. Hoje é muito mais difícil abdicar dos sonhos porque temos tantos horizontes abertos diferentes dos nossos e que queremos atingir. Naquela altura a vida era muito mais simples. Em algumas coisas era melhor, noutras nem por isso. Bjs Nina

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  8. Maria Augusta, uma história exemplar...

    Um beijinho :)

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