Saudade

Nem foi o dia em que a fatalidade aconteceu, não foi "o" telefonema, não foram os momentos seguintes. Também não foram os cumprimentos, os abraços, a palavras de alento das pessoas ou as lágrimas, o preto ou as flores ou sequer o último adeus. Não foram as lágrimas que não consegui chorar, os quilos que perdi por não conseguir comer, as noites que passei sem dormir a pensar nele...

Foi aquele mês da minha vida, faz por esta altura um ano, em que parei de viver para caminhar para o hospital para o ver sofrer, para o ver acabar-se a cada dia que passava. No início, achei que era uma questão de dias e ele voltaria para casa, depois comecei a acreditar que talvez não fosse afinal, e por fim tive a certeza, estava-se só à espera... Mas ele lutou, eu sei, lutou muito, como sempre, durante toda a sua vida. Não consigo apagar da minha memória o olhar dele, o desespero dele, as horas que passámos de mão dada, somente a olhar um para o outro sem dizer nada. Não era preciso, os nossos olhares falavam por nós. Em silêncio ambos sabíamos que o fim estava perto. Foi um mês difícil, penoso, que tento a todo o custo esquecer, apagar da minha vida para ficarem só as lembranças boas e felizes que foram tantas. Não há um dia em que não me lembre dele, não há um dia em que não pense no meu pai e no sofrimento dele...

Só queria conseguir eliminar da minha vida aquele mês e aquele olhar tão triste e sofredor, aquelas imagens finais do que outrora fora o meu pai cheio de vida e alegria para poder finalmente lembrar e pensar apenas as coisas boas que vivemos juntos...