quinta-feira, 25 de junho de 2020

Dia 137 - Crepúsculo


Prestes a transpor o portal, não para o desconhecido, mas para uma outra realidade, ou antes, para uma não realidade, uma outra dimensão em que existem outros deuses e outras estrelas que se alinham em forma de um outro sol e outra lua. Sete sois e sete luas onde tudo o que existe são momentos reais, mas ao mesmo tempo surreais. Assim queiram os deuses e os sois e as luas que este crepúsculo seja o mais feliz de sempre. E queiram acima de tudo, esses deuses e esses sóis e essas luas, que o regresso desse portal traga de volta a pessoa em pleno estado de felicidade e alegria, capaz de enfrentar com garra e determinação as agruras e as contrariedades.

quarta-feira, 24 de junho de 2020

Dia 136 - Rua de nada


Saí para passear e dei comigo na rua da tristeza.
Pergunto-me porque acabei ali, se me levaram até lá ou se eu própria me conduzi a ela. Nunca vou a essa rua porque quero, parece sempre que algo ou alguém me empurra e por vezes até parece que todos os fazem e que até eu própria acabo por fazer com que isso aconteça. Tivesse eu o dom da palavra ou o dom da escrita ou até o da compreensão e sabedoria e julgo não saberia onde ficava a dita rua onde vou amiúde. Sinto que não viajo para lá, quando dou por mim já lá estou e procuro em mim o caminho de volta. Apesar da culpa e da incompreensão acabo sempre por encontrá-lo e desta vez vai ser igual.

terça-feira, 23 de junho de 2020

Dia 135 - Ósculos


Tenho saudades, quero ver. Vou. E quando vou e vejo, fico ali num impasse. Ficamos num impasse. O primeiro impulso é o cumprimento, o toque, o beijo com a mão no ombro ou nas costas, um afago no cabelo, uma carícia leve, para logo em seguida se recuar e se dar um passo atrás, transformando uma espécie de arco íris uma nuvem cinzenta. Talvez não tão cinzenta, mas ainda assim branca a tapar o sol no momento. Não que seja muito de ósculos, mas agora queria.

quinta-feira, 18 de junho de 2020

Dia 132 - será?


Naquela intermitência de sono leve em que não se consegue discernir se dormimos ou se estamos despertos, imaginei-me longe, muito longe, a correr por entre as urtigas atrás do cão cor de fogo. Sentia as pernas a ficarem arranhadas, mas só pensava em chegar ao fim do caminho, rente ao muro ladeado de flores. O cão alcançava-me e juntos rebolávamos pela erva enlaçados um no outro e depois voltávamos de novo ao início do caminho para repetirmos a correria e os abraços e as festas no pelo sedoso do meu companheiro de brincadeiras.
Quando chegasse a noite, minha irmã assobiaria, eu regressaria a casa, ela ajudar-me-ia a tomar banho para se assegurar que eu tirava toda a terra do cabelo e dos pés e das unhas, jantaríamos em família e eu adormeceria no sofá de tão cansada das correrias. O cão, esperaria por mim até ao dia seguinte no tapete da entrada.
Entretanto, comecei a coçar as pernas, picadas das urtigas e vi-me na minha cama, ainda cansada, mas tão feliz achando que era outra vez criança e que a minha alma era ainda livre e pura e despreocupada. Procurei o cão cor de fogo mas não encontrei, também já não havia muro ladeado de flores nem caminho para correr.
O despertador começou a tocar e eu comecei a pensar. O pequeno almoço por fazer, o jantar por pensar, a roupa por estender, o pó por limpar e um dia de trabalho à minha espera… O seguro por pagar, as compras por fazer, uma subscrição por cancelar, uma encomenda por fazer. Uma consulta por confirmar, uns telefonemas por fazer, o frigorífico por reparar....

sexta-feira, 12 de junho de 2020

Dia 131 - Rios, lagos e coisas que vocês não sabem

Ai, mimimi, adoro rios e lagos e não me canso de pedalar perto deles, admirá-los, contorná-los, fotografá-los para a minha coleção de paisagens fantásticas, MAS! E porque há sempre um mas, em certas alturas do ano não se pode andar perto deles de boca aberta. E porquê perguntam vosselências. Porque ele há, rente aos rios e lagos, nuvens e nuvens de mosquitos e outras bicharadas esvoaçantes a pairar de um lado para o outro. Pois. Agora experimentem atravessar uma nuvem dessas de boca aberta. Pois. A mosquitada entra na boca e estatela-se contra o gorgomilo ficando esborrachada no dito cujo causando uma espécie de sensação de afogamento e com comichão onde não se consegue coçar. E desde já vos digo, são amargos pra caraças. Pois. Agora experimentem beber golos e golos de água que já não têm, para descolar asas e pernas de mosquito do gorgomilo. Pois!
Acho que ainda trago aqui uma perninha. Blhac.

terça-feira, 9 de junho de 2020

Dia 130 - A espaços, as palavras

Este ano já escrevi neste blog cento e trinta vezes.
Se fizer uma ou duas contas e considerando que, a espaços, fico sem palavras, já escrevi muito mais do que no ano passado.
E agora, que me falham as palavras, tenho dado uso às pernas e aos olhos.


terça-feira, 2 de junho de 2020

Dia 127 - Reencontro

Desde vinte de março que não nos olhávamos ao vivo e a cores. Foi ontem.
Sem auscultadores, sem câmaras, sem filhos a chamar, sem gatos a passar em frente ao ecran e sem lar ao fundo. Não que isso fosse mau, mas era sem dúvida diferente e se dúvidas houvesse que as pessoas têm uma vida fora do trabalho, esta foi a prova. É bom que se saiba que somos profissionais, mas também somos pais, mães, filhos e gestores de uma panóplia de coisas fora do trabalho. Se somos ou não competentes, com certeza que o seremos, à nossa maneira e uns mais do que outros e em diversas áreas. Somos humanos e por isso não somos perfeitos. E viva a diferença.
Pese embora tudo isto, arrisco dizer que foi emocionante voltar a ver esta minha segunda família com quem quase passo mais tempo do que com a minha primeira e voltar a sentar-me naquele meu lugar tão familiar. Em tempo de introspeção arrisco também em perguntar-me se gostaria que certas coisas fossem diferentes para ser mais e ser melhor em tudo. Sim, gostaria. Se sempre tivermos certezas e nunca dúvidas, nunca teremos a oportunidade de uma melhoria. E eu  tenho sempre tantas dúvidas, sempre questiono, sempre mudaria algumas coisas. Se me deixassem. A ver...

segunda-feira, 1 de junho de 2020

Dia 126 - Sempre que...

Alguém diz "era tão feliz e não sabia" falece uma cegonha transportando no bico dois gémeos que ia entregar a um casal infértil..