quinta-feira, 18 de fevereiro de 2021

8/2021

 

Vejo agora com clareza a minha apetência para as tesouras. De podar.

E fujam e escondam-nas todas por favor.

Está agora nu, despido de folhas e sem abrigos para os pardais, o meu pequeno jardim. Após dias e dias de poda, muitas vezes inadvertidamente, pois era apenas uma braça que me empatava a passagem, depois outra e mais outra e todo um entusiasmo que se foi tornando um grande corte e uma verdadeira terapia à minha pessoa. Já só me resta um vaso, que estou a guardar para o próximo fim de semana para depenar e após o que terei de me reinventar mais uma vez.

Cortar, cortar, cortar, juntar, limpar, eliminar. O cheiro a verde, as mãos na terra, a cara lavada do jardim e a paz e calmaria que a brisa transmite ao abanar-me os cabelos e ao afagar-me a pele, deixa em mim um efeito apaziguador. As braças cortadas e a despontar, os rebentos a nascerem e o verde mais viçoso, fazem-me crer na esperança, no futuro e no renascimento.

Tenho cá para mim que mais um mês e já me posso perdoar por ter deixado o jardim naquele estado. A primavera fará maravilhas certamente.

terça-feira, 9 de fevereiro de 2021

7/2021

Sei lá, até parece que gosto de castigar o corpo e exercitar a mente por via da resiliência e do auto controlo ao sair para correr quilómetros e quilómetros pela cidade contra a ventania. E, em chegando a casa, não satisfeita, esta que aqui vos escreve, resolve saltar à corda e fazer uma aula de alta intensidade online para quase falecer de cansaço depois. Pese embora o quase falecimento e o entrevamento que sinto nesta altura, eu vi a rua e respirei liberdade. Ora, quando família chega a casa e se alapa no sofá para o descanso de final do dia, já eu subi e desci duzentas e doze vezes ao primeiro andar e me desloquei do local do telecoiso à cozinha e à sala e à garagem, ao pátio e á varanda outras tantas como quem anda á volta da jaula à procura de uma abertura para esticar as pernas, então, quando eles entram, a porta da jaula abre e eu raspo-me assim como quem não quer a coisa.

Esta que aqui vos escreve encontra-se neste momento literalmente colada ao sofá e nem sabe se vai conseguir subir as escadas para o quarto por via de não conseguir mexer as pernas. Sim, esta que aqui vos escreve, de tanto entusiasmo por sair da jaula, correu doze quilómetros feita tola. Está tudo bem, claro e o que mexe comigo não é estar fechada, é saber que não posso sair. De resto, está-se bem. Fiquem bem

sexta-feira, 5 de fevereiro de 2021

6/2021

 

Eram cerca de três e meia da tarde quando batem ao portão. O dia estava tristonho tal como tinha estado durante toda a semana e o vento uivava lá fora. Notavam-se as suas fortes rajadas a entrar pelas friestas das janelas e da porta e ouviam-se folhas a esvoaçar. Alba Maria, de volta das rendas nos panos de cozinha, sentada no sofá, manta nas pernas e pantufas quentinhas, o gato enroscado a seu lado, que o aconchego nestes dias é tudo, decidiu não ir ver quem era e o que pretendia. Na certa seria mais um vendedor inoportuno e ela não estaria interessada em contratos de energia ou telecomunicações, alterações de fornecedores ou o diabo a sete. Além disso, na televisão dizem constantemente que os idosos têm de estar atentos pois são alvos fáceis. Não ela, claro, que sabe topar essa gente a léguas, mas não, não lhe apetecia ouvir conversa fiada. No entanto, a insistência ao portão que parecia dada à urgência fez Alba Maria ficar em alerta. Ao fim de algum tempo decidiu então pegar na bengala, levantar-se e vagarosamente dirigiu-se ao portão tentando ver se percebia quem era espreitando pelas frinchas, não conseguindo porém vislumbrar alguém. Abriu o portão, nada. Estranheza aquela, não por ter demorado a abrir, mas de admiração pois tanta urgência e foram-se logo embora. Caramba, levantou-se para nada, esta gente não se enxerga. Olhando então para baixo viu um embrulho que levantou com cuidado e abriu devagarinho. Lá dentro estava uma caixa com meia dúzia de ovos, três diospiros e duas fatias de pão de ló ainda mornas….